Um empreendimento histórico que ceifou a vida de 6 mil trabalhadores, vitimados por ataques de índios, afogamentos, picadas de cobra e doenças diversas, como malária, febre amarela, beribéri e tuberculose.
Achei curioso aquele fato. Por que um escritor da Paulicéia estaria tão longe de casa, em local tão ermo? Quantos dias ou semanas teria ele gastado para chegar ali?
Por qual razão?
Sua arte dependia disso! Estar ali
Naquela época, eu mal sabia que Mário de Andrade não era uma pessoa comum. Seus livros e estórias nasciam do contato profundo com o Brasil Escondido. Ele havia decidido mergulhar nas entranhas de seu país e de seu povo. Sua arte dependia disso! Estar ali, no meio do nada, era uma ginástica aparentemente corriqueira para ele. Depois soube que foi por aquelas paragens amazônicas que encontrou inspiração e conteúdo para sua maior obra: Macunaíma.
À medida que fui crescendo, ganhando maturidade e me apaixonando cada vez mais por literatura, passei a perceber que os chamados escritores de primeira grandeza possuíam, via de regra, essa característica. Escreviam sobre locais, pessoas e sentimentos que conheciam de perto. Não apenas dominavam as letras, mas sabiam se colocar como atores e aprendizes de uma realidade social que poucos imaginavam existir. Essa característica não pertencia apenas a Mário de Andrade, mas a muitos outros escritores que marcaram nossos tempos: Gabriel Garcia Márquez, Neruda, Sábatto, Borges, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, dentre outros. Talvez fosse o exercício de se embrenhar pelas terras esquecidas e pela história de seus países o grande diferencial que os transformou em homens inesquecíveis para a humanidade. Sabiam bem do que falavam. As emoções e os cenários de suas estórias estavam gravados (também) em suas próprias peles.
Os grandes homens e poetas são, em sua imensa maioria, eternos viajantes
Não viajantes comuns, mas exploradores. Uma verdadeira viagem tem que ter essa conotação: explorar, superar limites, desejar o novo. Buda, Cristo, Francisco de Assis, Gandhi e Paulo de Tarso eram viajantes solitários, exploradores de almas, e gastaram muita sola de calçado na caminhada da iluminação.
Pilotar uma moto por longos períodos de tempo gera um estado mental diferenciado
Eu, após viajar muito de ônibus, de avião e automóvel, só consegui experimentar um contato profundo comigo mesmo depois que passei a viajar de motocicleta. Sabe-se lá o porquê, mas sempre tentei me justificar acreditando que pilotar uma moto por longos períodos de tempo gera um estado mental diferenciado. O corpo, em contato direto com o ambiente, parece estar sob as carícias da natureza. A mente relaxa, mas os reflexos ficam acesos e prontos para dar comandos rápidos aos membros. Em outra oportunidade cheguei a comparar esse estado psíquico ao que os antigos monges taoístas chamavam de “encontrar o silêncio no meio da tempestade”. É uma espécie de inebriamento que só acontece quando nos deslocamos em velocidade moderada. Quando se acelera com exagero as emoções são diferentes, decorrem da adrenalina, mas não se atinge essa condição espiritual.
Contudo, não advogo a tese de que a motocicleta é o melhor veículo para todos. Trata-se de uma constatação pessoal. Sei de outros viajantes que vivenciaram emoções idênticas dentro de um jipe, de um veleiro, sobre uma bicicleta ou simplesmente caminhando ou mochilando pelas estradas do mundo.
Quem viaja está sempre construindo algo diferente para suas vidas. Está abrindo seu coração para novos sentimentos e amizades. Está descerrando a mente para novos conhecimentos, os olhos para novos cenários e horizontes. Enfim, compartilhando sua alma com o planeta que o acolhe.
Autor: Flávio Faria (Brasília – DF)
Fonte: Rotaway
Um comentário:
Muito bom...
OBR
Postar um comentário