sexta-feira, 10 de junho de 2011

MARCOS & ANTONELA - ENTREVISTA

Neste mês pedimos gentilmente o direito de postar uma entrevista dos amigos motociclistas Marcos & Antonela, entrevista esta realizada após sua viagem pelo Cone Sulamericano rumo ao Ushuaia-ARG.

Transcrevemos abaixo a entrevista.

Ótima leitura!

Como surgiu a idéia de realizar esta viagem?
Iniciei meio tarde no motociclismo, 2 anos antes dessa viagem, com 33 anos de
idade. E desde que comprei a minha primeira moto, uma Shadow 600, buscava
destinos interessantes para viajar de moto. E nesse processo, minha esposa-garupa
junto comigo, íamos curtindo nossas viagens. Aí em certo dia pensei: por que não
viajar para o exterior de moto? Por que não ir até o Uruguai de moto? Já que
estamos pensando em ir até o Uruguai, porque não ir até a Argentina? Já que
vamos até a Argentina, porque não descer até a Patagônia, mais ao sul? Se vamos
até a Patagônia, por que não conhecer a região dos Lagos e ir até o Chile? E se
vamos até lá, por que não ir até Ushuaia?
Foi assim, em poucos segundos, sentado e pensando, que se consolidou a idéia da
viagem. O que teria acontecido dentro de nós para que essa idéia se formasse tão
rapidamente, e nos propuséssemos a vencer esse desafio?

Qual o principal objetivo desta viagem?
A busca da realização do sonho.

Quanto tempo demoraram para organizar essa aventura?
A etapa de planejamento, que contemplou a aquisição de outro modelo de moto
(agora, uma DL 1000 V-Strom) e sua preparação (itens como bauletos, cavalete), a
aquisição do material individual adequado para a viagem (roupas e equipamento de
proteção), definição da bagagem, da rota e o estudo das informações e
conhecimentos necessários a viajantes que pretendem cruzar fronteiras e enfrentar
condições adversas em duas rodas: o intervalo entre a decisão de viajar e a saída
dos portões de casa durou 1 ano e meio.

Contaram com algum patrocínio?
Não.

Como escolheram o trajeto?
Do estalo inicial, da idéia primordial, de viajar para longe e para o sul através da
Patagônia até a cidade mais austral do mundo, estudamos os atrativos da região e
definimos como pontos de passagem cruciais a Península Valdez, Ushuaia, Parque
Torres Del Paine, El Calafate (cidade base para se visitar o Glacial Perito Moreno) e
a região dos Lagos. Depois, olhar no mapa e unir os pontos, definir os caminhos
pelas Rutas do Cone Sul, inserir destinos adicionais, como a visita à Casa de Che
Guevara em Alta Gracia. Desse projeto bruto inicial esculpir e dar forma a algo
executável dentro do período disponível, na forma de uma sequência de dias de
deslocamentos com dias de pausa para visitação dos pontos de interesse e
descanso, unindo a nossa casa a ela mesma através de uma alça de
aproximadamente 15 mil Km e de um hiato de 32 dias em nossas vidas.




Qual foi a preparação necessária para essa aventura?
Fora a preparação “material”, a preparação psicológica. Como administrar o medo e
a insegurança em nossas vidas? Jagunço Riobaldo já dizia que viver é muito
perigoso, e que em cada momento na vida a gente experimenta uma qualidade de
medo diferente. Inimigos como o frio, ventos patagônicos, rípio, locais desolados,
frio e ventos fortes e rípio em locais desolados, para depois de tudo perceber que o
maior inimigo está dentro de você mesmo.

Qual foi o peso de sua bagagem? Interferiu no rendimento, durante o
percurso?
Estimo que a bagagem (incluindo ferramentas, kit de reparo dos pneus, cilindro de
CO2, água) completa pesou cerca de 25 Kg. Montamos uma bagagem bem
resumida, pois viajávamos um casal na moto, e seguimos à risca o mandamento de
que todo excesso será castigado. Achamos melhor viajar mais leve e se virar para
conseguir consertar o pedal do câmbio que quebrou em uma queda (isso não
aconteceu, apenas um exemplo) do que levar outra moto desmontada na bagagem.
Para quase tudo, dá-se um jeito se você mantiver a cabeça fria.

Qual foi o ponto de partida? De qual cidade saíram e rumo a qual lugar?
De São Paulo para o sul, rumo à mítica Ushuaia, Fin del Mundo, cidade mais austral
do planeta.

Como a família encarou a sua saída?
Seria loucura a busca pelo sonho? Seria loucura apoiar a loucura da busca pelo
sonho? Ou seria loucura a vida sem o sonho?

Quanto tempo durou a viagem?
Concretamente falando, 32 dias. Honestamente falando, já está durando 1 ano e
maio (a partir do início da preparação você já começa a viajar), mais os 32 dias da
viagem completa, mais os 3 anos do pós-viagem, período também muito intenso da
viagem, pois pudemos reviver várias partes diversas vezes, compartilhar a
experiência com uma infinidade de pessoas e escrever um livro (sim, isso mesmo, a
Antonela escreveu um livro sobre a viagem: Na garupa de um motociclista... Até o
fim do mundo – acesse www.motoconesul.com). Estamos, dessa maneira, viajando
há mais de 4 anos e esperamos que a viagem ainda dure muito tempo...

Onde vocês dormiam? Fizeram camping? Ou fariam na próxima?
Dormíamos nas cidades, em hospedagens habituais (hotéis, pousadas, hostels).
Não fizemos camping. Pensando em dispor de um mínimo de bagagem e
equipamento para uma viagem de um casal com uma moto, onde a questão do
volume da bagagem é crítica, não acredito que faríamos camping em uma proposta
futura como essa.

Qual era alimentação? (restaurantes/cozinhavam/lanches)?
Não cozinhamos (eu e a Antonela não temos esse dom). Mas devo dizer que nesse roteiro se come MUITO bem. Cordeiro fueguino agridoce, centolla ou king krab (um caranguejão gigante que se pesca próximo aos polos), com destaque para a melhor experiência gastronômica que já tivemos: o restaurante La Reserva em San Martin de Los Andes (participante do Slow Food Movement – acesse www.slowfoodbrasil.com). Quem ler o livro vai ficar com água na boca...

Quantos km percorriam por dia?
A maior tocada foi me 1000 Km em um dia. Mas a média percorrida por dia de
viagem efetiva foi de 600-700 Km.

Qual foi o dia em que andaram por mais tempo?
Completamos o dia de 1000 km em pouco mais de 12 horas. Íamos com calma,
despacito, Isso porque na viagem, os deslocamentos na moto propriamente
constituiram o melhor da viagem: Digo: o real não está na saída nem na chegada:
ele se dispõe para a gente é no meio da travessia. (Jagunço Riobaldo – Grande
Sertão: Veredas – João Guimarães Rosa).

O que achou do trajeto percorrido? Teve offroad ? O que achou ?
Quanto ao off-road estimo que rodamos cerca de 400 Km de rípio na jornada.
Quanto ao trajeto percorrido, a paisagem do sul do continente vale muito a pena.
Viajar, ver a paisagem mudar, o clima, a vegetação, o idioma, atravessar
fronteiras, com gentes, bichos e plantas diferentes. Se amanhecia num lugar, se ia
à noite noutro, tudo o que podia ser ranço ou discórdia consigo restava para trás.
Era o enfim. Era. (Jagunço Riobaldo)
A sensação de se estar no Enfim depois de uma longa etapa de sonho e
planejamento é muito gratificante.

Como eram as paisagens e locais previamente estudados ? Surpreenderam? O que mais surpreendeu em toda a aventura ?
Curiosamente, muitas pessoas acham inadequada a realização de viagens longas de
moto como essa, alegando que poderíamos ter visitado os mesmos lugares de
avião podendo aproveitar muito mais a viagem. Para eles eu respondo que, sem
dúvida, de tudo o que vimos, os momentos mais tocantes e as paisagens mais
belas foram vividos e vistas no lombo da moto. Sem contar, é claro, o prazer de
entoar o mantra da estrada e seguir em frente e em frente, como um peregrino.
Essa é uma boa palavra para descrever o nosso estado de espírito. Éramos
peregrinos, buscando algo lá longe para se chegar mais próximo de si mesmo:
O Risco da Aventura (Joseph Campbell)
Não precisamos correr sozinhos o risco da aventura, pois os heróis de todos os
tempos a percorreram antes de nós, o labirinto é conhecido em toda a sua
extensão. Temos apenas que seguir a trilha do herói e lá, onde esperávamos
encontrar um monstro, encontraremos um Deus; onde pensávamos matar alguém,
mataremos a nós mesmos; onde pensávamos viajar para o longe, viajaremos para
o centro da nossa própria existência; e onde pensávamos estar sozinhos,
estaremos na companhia do mundo inteiro.

Qual foi o destino máximo da aventura?
O Museu Cas Del Che, pois foi o último destino turístico da Expedição. Saindo de
Alta Gracia, onde fica o museu, foi só voltar para casa. Terminar a viagem com
uma visita à casa onde Che Guevara passou a infância foi muito emocionante.
Grande mito, médico como nós, um revolucionário, que também viajou de moto
pela América. Dedicamos a nossa viagem como um tributo à memória de Ernesto
Che Guevara.
E, é claro, a chegada a Ushuaia, sem palavras, não há como descrever a emoção.

Como foi a receptividade nos outros estados/países ? Qual mais gostaram?
O povo Argentino foi muito simpático e acolhedor, e foi na Argentina a maior parte
da viagem. Assim sendo, impossível ter gostado mais de outro povo.

Qual foi o melhor momento da aventura, o momento mais marcante?
A chegada e a travessia do Estreito de Magalhães de Ferry. Lembro muito disso
porque, na etapa de planejamento, diversas vezes me imaginava embarcando a
moto em Punta Delgada, no ferry, para o cruce da Primeira Angostura,
desembarcando a moto, enfim, na Terra do Fogo. Viver na realidade concreta um
momento tantas vezes imaginado traz consigo uma emoção muito intensa.
Imagine você avistando ao longe o Estreito, no fim do continente, relembrando as
aulas de geografia no colégio, aquele acidente geográfico tão imaterial e impalpável
agora ao alcance dos seus olhos e, dali a pouco, das suas mãos...

Qual foi o maior imprevisto durante esta viagem?
Voltando da Baia Lapataia, final da Ruta 3, em direção a Ushuaia, quando tivemos
que enfrentar neve, a qual cobriu o rípio com uma camada espessa que impedia o
deslocamento da moto, próximo ao anoitecer...
Frio, neve, estrada extremamente escorregadia, anoitecendo, sozinhos em uma
área florestal. E agora?

O que foi mais difícil durante a viagem?
A exigência dos deslocamentos no rigor climático patagônico: frio, ventos
fortíssimos, neve em alguns trechos na Terra do Fogo.

Quais temperaturas enfrentaram? Estavam preparados ?
Chegamos a enfrentar temperaturas negativas, o que levou a desconforto intenso
em vários momentos, apesar de estarmos adequadamente preparados.

O que poderia ter sido diferente?
Nada. Cada viagem, cada experiência, é única. Não penso em nada que poderia ter
sido diferente. Sinto grata satisfação e sentimento de missão cumprida que me
impedem de pensar no que poderia ter sido diferente. E cada vez que paro para
pensar no que vivemos, parece que aumenta essa sensação de gratidão e de
satisfação.

Como foi a volta da viagem? Em que dia começaram?
Quando se inicia a volta? Estranho, acho que ainda estou viajando... Onde estou
agora? Enquanto há vida, espero viver viajando, nessa e em outras viagens
passadas e nas que estão por vir, dentro e fora do mundo em duas rodas. O
futuro...
Não importa de que maneira, o importante é viajar.
O que muito viaja aumenta a sua sagacidade. Muitas coisas vi nas minhas viagens,
o meu conhecimento é maior do que as minhas palavras. (Eclesiástico 34, 10-11)

O que ficará para sempre em sua memória?
Cada milímetro percorrido e cada sentimento colecionado ao longo do trajeto, junto
à convivência que exercemos com nossos novos amigos que cruzaram nosso
caminho e que de alguma maneira mudaram nossos rumos. Tudo isso nos pertence
agora.
A gente principia as coisas, no não saber por que, e desde aí perde o poder da
continuação – porque a vida é mutirão de todos, por todos remexida e temperada.
(Jagunço Riobaldo)
Quantas lembranças de pessoas que remexeram e temperaram os nossos
caminhos, desde o início do planejamento!

Agradecimentos e outras perguntas relevantes que não foram cobertas
nessa pauta.

Agradecemos aos heróis de todos os tempos que desvendaram o labirinto para que
agora pudéssemos seguir a sua trilha: Che Guevara, Guillermo Godoi, Renato
Lopes, Ricardo Rauen e Mikka, Nelson Chardosin, Kátia e Maurício Alvim, Beto
Marshall, Ramon Schneider, Clodoaldo Turbay Braga, Marcos Vojciechovski, Cícero
Paes, Miragaia Rene Angelino, Gau, Julio Cesar Lima, Wandeis Ramalho Jr e tantos
outros que a memória agora, injustamente, deve ter se esquecido.
E agradecemos aos amigos que compartilharam a nossa aventura adquirindo o livro
da Antonela (Na garupa de um motociclista... Até o fim do mundo).
Para quem quiser maiores informações sobre a viagem ou sobre como adquirir o
livro, acesse:motoconesul.blogspot.com

Qual a próxima aventura ?
Já realizamos mais duas grandes viagens depois dessa. Uma para o norte do Chile e Argentina, região do deserto do Atacama, Peru e Bolívia (Lago Titicaca, Cuzco,
Machu Picchu, Nazca) e outra pelo sertão da vida e da obra de João Guimarães
Rosa. Maiores informações em motoconesul.blogspot.com

Obrigado Marcos & Antonela!
Grande abraço!

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