Mais uma edição do Salão das Duas Rodas foi realizada e muitas novidades foram mostradas durante o evento. Segundo os organizadores, o salão deste ano teve um recorde de público – 255,4 mil visitantes – e recebeu o título de maior evento de motocicletas da América Latina.
Para quem acompanha o Salão das Duas rodas desde o início, cerca de 20 anos atrás, realmente muita coisa mudou. Hoje, ele é o principal e maior evento do setor e o único que reúne motocicletas, bicicletas, peças, equipamentos e acessórios. O evento realizado em São Paulo virou referência comercial e técnica, isso sem falar na arena de shows interativos e test-drives. Além de tudo isso, sempre aparecem novas marcas, e, este ano, tivemos até lançamentos mundiais, além de muita diversidade em modelos de motocicletas.
Entretanto, acredito que um detalhe que passou despercebido para a maioria do público, foi certamente notado por quem acompanham os sites, revistas especializadas e quem circula e atua no meio: as equipes comerciais das montadoras/importadores não mudam!
Engraçado como em um mercado que cresce de forma rápida (segundo os números da Abraciclo, foram vendidas 1.033.406 unidades apenas no primeiro semestre de 2011, ou seja, um crescimento de 18% na comparação com o mesmo período de 2010), os profissionais envolvidos no processo são sempre os mesmos. Se tudo der certo, este ano a projeção de vendas será superior a dois milhões de unidades. Mas e quanto ao número de profissionais que trabalham no mercado das duas rodas?
Se você prestar atenção, verá que o diretor da marca A agora está na C. O gerente comercial que era da marca B, agora é funcionário da D, e assim por diante. Na equipe de vendas, os vendedores apenas trocam de camisa. Não é bem a dança das cadeiras, mas das camisas. Por que um mercado tão amplo e com constante aumento de volume, não consegue reciclar seus profissionais? O que temos visto ultimamente é a chegada — bem vinda, diga-se de passagem — de profissionais formados no mercado de quatro rodas e que trazem uma larga experiência para um setor, que comparado ao de quatro rodas, ainda está engatinhando.
Procurando na história, vemos que a indústria automobilística começou de fato, ou seja, a fabricar seus modelos no Brasil, cerca de vinte anos antes da de motocicletas. Além disso, o número de marcas, volume de produção e modelos foi muitas vezes superior que o de motocicletas.
Apenas para ilustrar, o primeiro automóvel, um Peugeot Type 3, chegou no Brasil em novembro de 1891, importado pela família de Santos Dumont, isso foi a 120 anos. Depois disto a Ford Motor Company montou o modelo T em 1919, instalando-se num armazém alugado no centro de São Paulo. Poucos anos mais tarde, em 1925, foi a vez da a General Motors, instalando-se num armazém no bairro do Ipiranga, São Paulo.
Mas somente no governo JK e obedecendo à programação dos Planos Nacionais Automobilísticos coordenados pelo GEIA (Grupo Executivo da Indústria Automobilística), é que as indústrias se estabeleceram e começou–se a fabricar automóveis no país.
Já as motocicletas começaram a chegar ao Brasil em 1910 com a importação de marcas européias e americanas, e junto vieram os sidecars. No final da década de 1910 já existiam diversas marcas rodando no país, entre elas as Indian, Harley-Davidson, FN, Henderson e a NSU. Após a guerra começaram a chegar as BMW, Zündapp , Triumph, Norton, Vincent, Royal-Enfield, Matchless, Guzzi, Jawa, entre outras.
A primeira motocicleta fabricada no Brasil foi a Monark (com motor inglês BSA de 125 cm³), em 1951. Depois, a fábrica lançou três modelos maiores com propulsores CZ e Jawa, e um ciclomotor (Monareta) equipado com motor NSU. Mas a indústria das duas rodas só se fez presente mesmo na década de 70, com a chegada de duas montadoras japonesas.
A Yamaha se estabeleceu no Brasil em 1970 e, já em outubro de 1974, passou a produzir em Guarulhos, São Paulo, o primeiro modelo nacional, a Yamaha RD 50. A Honda se estabeleceu em São Paulo em outubro de 1971 e, posteriormente, montou sua fábrica em Manaus em 1976, sendo a pioneira no AM.
Monark 1951 e Yamaha RD 50, pioneiras no Brasil
Pelo que parece, e devido aos 20 anos a mais de experiência e desenvolvimento, as montadoras/importadores de motocicletas, procuram formar suas equipes com pessoas oriundas da indústria automobilística. Esses profissionais chegam a nosso mercado com a vasta experiência e formação especifica, e isso, só vem a somar e tornar o mercado de duas rodas cada vez mais profissional e capacitado… apesar de saber que os ambos os mercados tem poucas semelhanças entre si.
Sabemos que um vendedor de carros dificilmente venderá motocicleta simplesmente porque a venda de uma moto é bem mais delicada, exige mais conhecimento técnico e, principalmente, da concorrência. Imagine carros de marcas diferentes, pertencentes ao mesmo segmento de mercado e com a mesma cilindrada. Porém, cada um com um motor diferente. De um, dois, três e quatro cilindros! Como mostrar ao cliente as diferenças, vantagens e desvantagens de cada modelo e motorização? Dependendo do modelo e cilindrada de motocicleta que esta sendo vendida, está se vendendo mais que um meio de transporte.
Para aqueles que procuram um modelo básico de entrada, para transporte diário, não é apenas uma moto. É uma forma de inclusão social e a facilidade de ir e vir a qualquer hora e para qualquer lugar sem depender do precário transporte público.
Para um jovem que compra sua motocicleta de média cilindrada, ela é sinônimo de liberdade e independência. Para um senhor de mais idade, que procura uma moto confortável para longas viagens, é a coroação de uma vida inteira de trabalho e o momento que ele poderá desfrutar de seu tempo sem horários e reuniões. Cada marca tem uma personalidade e seduz o cliente de uma forma diferente. Alguns modelos são vendidos por ter sua imagem ligada à alta performance e histórico nas pistas, outros pela durabilidade e confiança que transmitem, e outros ainda que são bem mais que uma motocicleta, chega a confundir-se com um estilo de vida.
Ou seja, temos um mercado muito particular e nossa formação tem sido no campo, no dia a dia.
Não temos onde procurar uma formação específica e muito menos um curso de aperfeiçoamento. O que me causa estranheza é que, hoje, um profissional do mercado de duas rodas em busca de mais conhecimento e preparo, tem de recorrer a cursos voltados exclusivamente à industria automobilística. Alguns amigos, que atuam há anos no mercado de duas rodas, estão no momento cursando pós-graduação em marketing automobilístico por pura falta de opção! Cursos estes ministrados, na sua maioria, por profissionais das indústrias automobilística e com pouquíssima (ou quase nenhuma) ênfase no mercado de motocicletas.
Para um crescimento de mercado consistente, precisamos melhorar a formação dos profissionais que atuam neste setor. E como podemos fazer isso se não existem cursos específicos para nós, ou mesmo matérias voltadas para o mercado de duas rodas nos cursos disponíveis?
Já vi cursos de mecânica voltados para mulheres, mas nunca um curso de mecânica básica para vendedores de motocicletas. Ou algum curso que fale das inúmeras tecnologias utilizadas atualmente nas motocicletas. Será que as montadoras estão preparando devidamente suas equipes comerciais? Com toda a certeza, você já foi a uma loja de motos e se decepcionou, pois descobriu que sabia mais do modelo que foi ver que o próprio vendedor.
Este mercado, crescendo da maneira que está, precisa de uma formação específica, para diretores, gerentes e vendedores. Não podemos ficar utilizando as mesmas equipes comerciais indefinidamente ou ficar “importando“ profissionais formados em um segmento tão diferente quanto o dos automóveis.Precisamos formar pessoas exclusivamente para este setor, ou correremos o risco de ter de importar funcionários das inúmeras marcas estrangeiras que estão se estabelecendo aqui ou usar uma mão-de-obra desqualificada e que não corresponde ao nível dos produtos e da expectativa dos consumidores.
Nosso mercado tem características muito particulares e está se especializando e ficando cada vez mais exigente por parte dos consumidores. Precisamos estar à altura para atender este consumidor que chega cada vez mais informado nas lojas, esperando ser surpreendido, e não decepcionado, pela equipe de vendas.
Fonte: BestRiders